quinta-feira, 7 de maio de 2009

Blue Junkie

Já lá ia o tempo daquele Pedro do poster dos hippies na praia, que se empenhava ardentemente em movimentos pacifistas e apologizava o amor livre, onde ousava escrever, no jornal do liceu, coisas como esta «Declaração do Direito ao Amor»:
- Artigo primo: Será do direito de todos o acesso ao amor. Este será feito onde muito bem entenderem os amantes.
- Artigo segundo: Todos os animais terão o direito de se amarem na rua. Que isto nos sirva de exemplo.
- Artigo terceiro: O amor é um dom que nos concedeu a Natureza. Quem contra ele se erguer, impedindo-o de se manifestar, será obrigado a amar oito horas seguidas.
- Artigo quarto: Será proibido usar máscara; o amor, assim, não tem o mesmo sabor.
- Artigo quinto: Será dever de todo o cidadão falar todos os dias em assuntos relativos ao amor.
- Artigo sexto: O amor não será impedido por qualquer filosofia, religião ou política.
- Artigo sétimo: Não haverá medos ou receios em relação ao amor. As pessoas serão livres e sentir-se-ão totalmente à vontade quando sentirem necessidade de o fazer.
- Artigo oitavo: Serão proibidas as violações. Isso não é amor, é um desrespeito ao mesmo.
- Artigo nono: É urgente o amor; façamo-lo já!
Quase apetece dizer: assim falava Zaratustra...
Enfim, o seu saco de cabedal cheio de sinais e símbolos da paz, o cabelo comprido e as atitudes de hippie já não queriam dizer absolutamente nada. Debaixo de tudo isso, bem lá no fundo do seu ser, escondia-se o germe da violência, como um ovo, permanentemente em incubação. Esperando em incubação. Esperando pela hora certa de partir a casca e vomitar fogo e raiva e tudo cá para fora...
Um dia, pasmei. Pasmei. Tinham-me dito (já não o via há muito tempo) que ele estava fisicamente em baixo e à beira de uma depressão, e pediram-me para o ir visitar, já que éramos bastante amigos e com ideias muito próximas acerca da vida e do mundo. Quando bati à porta, depois de vários chamamentos, apareceu-me ele de espingarda na mão. Pasmei! Era uma espingarda caseira de canos serrados. Disse-me que era para dar cabo do primeiro chui que entrasse ali, pois afirmava, absolutamente convencido, que o queriam prender por causa de coisas que não fez, roubos, tráfico de droga, etc. Todo ele era um feixe de nervos e pareceu-me de facto que estava louco. Pensei que as drogas lhe deram a volta ao juízo e temi mesmo pela minha segurança, visto que apontava continuamente aquela arma para mim. No estado em que estava, não fosse o diabo tecê-las!... Senti medo, verdade verdadinha. A fobia da perseguição era, nele, mais que óbvia. Possivelmente, andava a injectar-se com cocaína... E, agora, tudo isto me faz pensar no autor da “Viagem ao Mundo da Droga”, que conta que, no seu quarto em Catmandu, Nepal, tem polícias debaixo de uma tapeçaria e que, no tecto, tem uma câmara de filmar a espioná-lo... Flippé!...
Fosse como fosse, também o Pedro me pareceu bastante tresloucado e fora de si. Fomos para o sótão, ele encostou finalmente a espingarda a uma parede, mas muito perto dele, fumou um charro de erva, que cultivara (disse-mo) no amazónico jardim da mãe, entre lantanas, onde pululavam abelhas atarefadas, jasmim e passifloras, iúcas e lúcia-lima, fúcsias e estramónios, ou daturas, de flores rosadas, amareladas e grandes como trompetas... Contou-me quase toda a sua vida, sobretudo as aventuras passadas por terras de Astérix e Joana d’Arc, durante as vindimas, e, enquanto isso, ouvíamos um velhinho e delicioso disco dos Supertramp. O que me contou fez-me aproximar ainda mais dele, porque eram também e sobretudo coisas íntimas. O quanto eu desejava ter tanto para contar! Poderia escrever livros e livros e livros!... Depois, demos uns toques na guitarra e considerei positivo o saldo daquela tarde, tanto para ele como para mim. Mas a cena da espingarda e o querer dar cabo dos chuis impressionaram-me sobremaneira, e não esqueci isso tão depressa.
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1 comentário:

  1. Ok...agora tudo é segredo, obrigado...podias publicitar o livro de anuncios...

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