domingo, 19 de abril de 2009

O lado de lá de cá
Na minha cidade havia um edifício que se destacava de todos os outros, apesar de as multidões de transeuntes mal repararem nele. As pessoas passavam por ele quase em corrida, quase acotovelando-se umas nas outras, sem se olharem, sem se sorrirem, ao som dos ruídos, dos reclames, das sirenes, dos motores, num vaivém frenético para chegarem a qualquer lado que nem elas próprias sabiam. Se calhar ignoravam-no, ou pura e simplesmente fugiam desse edifício. Acho que percebo agora por que me advertiam os adultos, quando eu era criança, para não me aproximar dele. Diziam que estavam lá dentro, enclausurados, poetas lunáticos, artistas sonhadores, homens e mulheres que falavam sozinhos, homens que fingiam ser inventores disto e daquilo, mulheres que se despiam e bailavam nuas, até ao êxtase, arrancando os cabelos, ou abrindo sulcos de sangue na pele…
Pois um dia ganhei coragem e entrei. Aquela grande porta estava aberta e, sem pensar duas vezes, entrei. Deparei com um corredor imenso, branco, e lá ao fundo as pessoas, paradas, olhavam para as paredes. Avancei e juntei-me a elas. Não vi nada nas paredes, mas as pessoas continuavam a olhar, muito serenas, contemplativas. Só depois reparei que, se olhasse com mais atenção, visualizaria telas expostas pelas paredes dos corredores, e que as pessoas as contemplavam com ar fascinado. Havia uma que se intitulava «Controla a tua raiva», outra «Multidão» e outra «As pessoas solitárias pensam em formigas»...
Também eu fiquei fascinado, diria mesmo subjugado ou completamente magnetizado pelos quadros. A certa altura fiquei na incerteza se estava no lado de cá ou no lado de lá das telas, e agarrou-se a mim um certo pavor: o de me poder vir a encontrar retratado numa daquelas pinturas. Por isso recuei, pé ante pé, primeiramente, depois a correr como um louco para escapar dali. Atravessei o grande corredor branco e, antes de sair do edifício, parei, meio aturdido, e li numa tabuleta:
MANICÓMIO. ENTRADA LIVRE.

Fiquei baralhado, sem perceber coisa alguma…
Ainda hoje estou na dúvida.
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